A INSEGURANÇA JURÍDICA NAS LOCAÇÕES POR AIRBNB

Em razão da pandemia causada pelo vírus Covid-19 um dos setores globalmente mais impactados foi o do turismo e, dentre as empresas ligadas ao turismo que vem enfrentado muitas dificuldades está o Airbnb.

Em decorrência da situação extrema vivenciada, em muitos lugares, a fim de proteger a massa condominial da circulação de pessoas que não os residentes locais, a hospedagem por meio de aplicativos está sendo proibida.

Estima-se que, como resultado do coronavírus, o número de reservas pelo aplicativo tenha caído aproximadamente 70%, obrigando o Airbnb a adotar medidas drásticas para enfrentar a crise econômica, como demitir 25% de seu quadro de funcionários, cortar integralmente sua verba de publicidade e buscar crédito de 1 bilhão de dólares junto a empresas de capital de risco.

A vida do aplicativo, aliás, antes mesmo da crise relacionada à pandemia do coronavírus, não tem sido nada fácil. Assim como outras ferramentas digitais que surgem no mercado, como o Uber, por exemplo, o Airbnb encontra bastante resistência de uma parcela da sociedade.

A plataforma de hospedagem é motivo de debate em diversos lugares do mundo. Cidades como Barcelona, Amsterdam, Nova Iorque e São Francisco, já tentaram impedir que residências fossem destinadas exclusivamente para locações por curtos períodos, sob o argumento de que esse tipo de locação encarece os alugueis e cria um mercado desregulado, prejudicando o setor hoteleiro local e os residentes fixos dessas cidades.

Em Berlim, na Alemanha, a locação pelo aplicativo chegou a ser proibida por um período e, quando voltou a ser permitida, uma série de novas regras foram impostas para os locadores, com pesadas multas pelo seu descumprimento.

No Brasil, o uso do Airbnb em condomínios também não é um consenso e vem sendo objeto de inúmeros conflitos e disputas judiciais com síndicos e vizinhos contrários à sua utilização.

De um lado, o Airbnb e os que se valem da plataforma para disponibilizar seus imóveis para locação defendem que:

  • Os condomínios não podem limitar o exercício dos direitos de propriedade, restringindo o aluguel;
  • A Lei do Inquilinato , em seu artigo 48 – Lei n° 8.245/91possibilita a locação por temporada;
  • O direito de alugar o imóvel é elemento indissociável da propriedade.

De outro lado, os vizinhos e condomínios contrários à locação, sustentam que:

  • limitação ao exercício do direito de propriedade, sobrepondo-se o interesse coletivo dos condôminos em relação ao interesse individual do proprietário locador;
  • Não pode haver desvio de finalidade dos condomínios residenciais, prejudicando a segurança e o sossego dos demais moradores;
  • A hospedagem pela plataforma não pode ser considerada como locação por temporada, tendo contornos de atividade comercial de hotelaria, modalidade exclusiva de hotéis e flats.

Tais questões estão sendo objeto de diversas demandas judiciais e não há ainda segurança jurídica a respeito do tema.

Ao contrário, as decisões são completamente antagônicas, criando um cenário de incerteza muito grande. Em recentes decisões o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná deu entendimento diverso ao tema.

A 9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná entende que a convenção de condomínio pode ser alterada para proibir a locação pelo airbnb, conforme decisão abaixo:

“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE ANULAÇÃO DE ASSEMBLEIA DE CONDOMÍNIO. ALTERAÇÃO DA CONVENÇÃO CONDOMINIAL, VEDANDO A LOCAÇÃO DAS UNIDADES AUTÔNOMAS POR QUALQUER PERÍODO INFERIOR A NOVENTA DIAS. POSSIBILIDADE. CESSÃO DO IMÓVEL DO AUTOR PARA LOCAÇÃO POR CURTÍSSIMO PRAZO VIA PLATAFORMA ‘AIRBNB’, QUE CONFIGURA EXPLORAÇÃO COMERCIAL DE HOSPEDAGEM. DESVIRTUAMENTO DA FINALIDADE RESIDENCIAL DO CONDOMÍNIO. COMPROMETIMENTO DO SOSSEGO E DA SEGURANÇA DOS DEMAIS PROPRIETÁRIOS. SENTENÇA REFORMADA.RECURSO PROVIDO.” (TJPR – 9ª C.Cível – 0075000-50.2017.8.16.0014 – Londrina –  Rel.: Desembargadora Vilma Régia Ramos de Rezende –  J. 12.09.2019)

Por outro lado, a 10ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, manifestou-se pela possibilidade da locação pelo airbnb, ante a prevalência do direito de propriedade, veja-se:

“APELAÇÕES CÍVEIS – AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COMO ANULAÇÃO DE CLÁUSULA DE REGIMENTO INTERNO – RELAÇÃO CONDOMINIAL – LOCAÇÃO DE UNIDADE AUTÔNOMA POR TEMPORADA – UTILIZAÇÃO DA PLATAFORMA DE APLICATIVO DE SERVIÇO ONLINE COMUNITÁRIO DESTINADO A RESERVA DE ACOMODAÇÕES – AIRBNB – POSSIBILIDADE – PREVALÊNCIA DO DIREITO DE PROPRIEDADE – NATUREZA RESIDENCIAL NÃO DESVIRTUADA – AFRONTA AOS DITAMES CONVENCIONAIS NÃO VERIFICADOS – CLÁUSULA DO REGIMENTO INTERNO QUE CONDICIONA AS LOCAÇÕES À ACEITAÇÃO DO SÍNDICO – NULIDADE – POSSIBILIDADE DE USO, GOZO E DISPOSIÇÃO DA COISA – CÓD. CIV. ART. 1.228 – LIMITAÇÃO AOS DEVERES DO CONDÔMINO – USO INDEVIDO DO IMÓVEL E AMEAÇA À SEGURANÇA E SOSSEGO DOS CONDÔMINOS – APELAÇÃO CÍVEL (1) CONHECIDA E PROVIDA – APELAÇÃO CÍVEL (2) CONHECIDA E DESPROVIDA. 1. À luz da Lei 8.245/91, art. 48, caracteriza-se locação por temporada aquela destinada à residência temporária do locatário em período inferior a 90 dias. 2. Incomprovado o uso indevido do imóvel e os supostos riscos aos demais condôminos, há prevalecer o direito de propriedade.3. A mera locação à terceiros para estada de curto período através de plataforma de aplicativo de serviço online comunitário destinado a reserva de acomodações, por si só, não é capaz de demonstrar a destinação diversa da unidade e, portanto, não tem condão de infringir disposição de Convenção Condominial.” (TJPR – 10ª C.Cível – 0007263-72.2017.8.16.0194 – Curitiba –  Rel.: Desembargador Domingos Ribeiro da Fonseca –  J. 16.03.2020)

No final do ano de 2019 a matéria, para decidir se condomínios residenciais podem, ou não, proibir os moradores de oferecer vagas em plataformas digitais de aluguel, chegou ao Superior Tribunal de Justiça.

O ministro Luís Felipe Salomão, do Superior Tribunal de Justiça, é o relator do recurso especial sobre o tema (REsp 1.819.075 RS).

Ao dar início ao julgamento votou no sentido de que a locação de imóveis ou quartos por meio de aplicativos como o Airbnb não pode ser proibida por condomínios.

Afirmou que “considera ilícita a prática de privar o condômino do regular exercício do direito de propriedade, em sua vertente de exploração econômica”.

Considerou, ainda, que em grande parte das vezes, as locações via Airbnb não podem ser taxadas como atividades comerciais – passíveis de proibição por condomínios – mas sim o “uso regular” do direito à propriedade – um aluguel por temporada com fins residenciais, que está previsto na Lei das Locações (8.245/1991).

Após o voto do Ministro Salomão, a sessão foi suspensa por um pedido de vista do Ministro Raul Araújo e ainda não há data prevista para retomada do julgamento.

A expectativa é que resolução da questão pelo STJ promova maior segurança jurídica quanto ao tema. Aguardemos!